segunda-feira, janeiro 31, 2011

Câncer: genético ou hereditário?

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Leia todos os itens abaixo na sequência, para tentar entender melhor as regras básicas da cancerologia.

- Todo câncer é causado por uma alteração nos genes. Isto não significa que seja hereditário. Significa apenas que esta alteração nos genes causou uma sequência de eventos nas células de um órgão que acabou causando o aparecimento de um tumor maligno. A grande pergunta é se esta alteração nos genes ocorreu ao acaso (o que ocorre na grande maioria dos casos de câncer, especialmente quando o câncer ocorre em pacientes idosos) ou se foi herdada (ou seja, a alteração genética passou de pais para filhos).

- Na maioria dos casos de câncer, trata-se de uma alteração genética adquirida ao longo da vida pelo indivíduo doente. Raramente a alteração genética foi herdada. O indivíduo que adquiriu esta alteração genética ao longo da vida não irá passar esta alteração para seus filhos. Apenas entre 5 e 10% de todos os casos de câncer são conseqüência de alteração genética hereditária, ou seja, transmissível de pais para filhos.

- Casos de câncer precoce (em pacientes abaixo de 50 anos) merecem uma maior preocupação e a discussão com o médico do paciente, quanto ao risco de se tratar de um câncer hereditário.

- As exceções a esta regra acima (câncer em indivíduos jovens) são: tumores de testículo, linfomas e leucemias. Estas doenças frequentemente ocorrem em pacientes jovens sem que eles tenham qualquer predisposição hereditária. Portanto tumores típicos de gente jovem, quando ocorrem em gente jovem, não devem desencadear uma investigação familiar.

- Nos casos de alterações genéticas hereditárias, não são todos os filhos e netos que herdam estas alterações, e frequentemente é impossível saber qual filho ou neto tem a alteração, a não ser que seja feito um teste genético bastante sofisticado. Dependendo do tipo de alteração genética, a transmissão da alteração genética hereditária pode afetar desde alguns por cento até 100% dos filhos.

- Nem todo individuo que herda uma predisposição genética irá desenvolver o câncer. Há inclusive alterações genéticas predisponentes que apenas raramente acabam desencadeando câncer.

- Os testes genéticos para detectar uma predisposição hereditária ao câncer são extremamente caros e a simples discussão quanto à indicação de fazê-los pode gerar um quadro de ansiedade trazendo mais problemas que a própria doença. Portanto, nenhum paciente ou parente de paciente deve ser submetido a teste genético de predisposição ao câncer sem antes ser amplamente orientado quanto às implicações do teste (seja ele de resultado positivo ou negativo).

- A orientação ou decisão quanto à necessidade de se fazer testes genéticos deve ser feita em conjunto pelo médico oncologista e/ou por um profissional especializado em aconselhamento genético, nunca por um médico sem o preparo para discutir as implicações do teste.

O paciente que é diagnosticado com algum câncer em idade jovem, e cujo tipo de câncer não é típico para jovens, deve de fato indagar quanto ao risco de seus pais, irmãos e filhos.

Os tipos de câncer que mais nos preocupam a este respeito são exatamente aqueles em que não há uma causa clara. Assim, tumores como câncer de pulmão e de cabeça e pescoço, que são causados pelo tabaco, raramente são decorrentes de alteração genética hereditária. A infecção pelo papilomavírus humano predispõe ao câncer de colo de útero, não sendo, portanto suspeita alteração genética hereditária nestes casos.

Os tumores mais frequentemente associados a alterações genéticas hereditárias são: câncer de mama, câncer de cólon (intestino grosso) e reto, câncer de ovário e câncer de tireóide. Dito isto, apenas uma minoria dos pacientes com câncer nestes órgãos tem uma alteração genética hereditária.

O cenário mais comumente visto por nós no ambulatório é o de mulheres jovens com câncer de mama ou ovário, e cuja mãe ou irmã também tiveram um destes tumores em idade jovem. Estas pacientes perguntam o que deve ser feito a respeito dos seus filhos.

O primeiro e mais importante passo é o tratamento adequado desta mulher cujo tumor já existe, antes de qualquer discussão sobre um tumor que poderá, talvez, um dia aparecer em outra pessoa. Uma vez que este tratamento esteja estabelecido, faz-se uma discussão sobre o teste genético disponível e possíveis implicações de um resultado positivo e negativo no teste genético. Só após esta discussão procedemos com o teste para checar se esta mulher que já tem o diagnóstico de tumor tem de fato alguma das alterações genéticas conhecidas (mutações) que predispõe ao câncer de mama (ou ovário). Caso esta mutação seja detectada (o teste é feito em sangue), aí sim, deve ocorrer uma discussão tanto com o oncologista quanto com o profissional capacitado para o aconselhamento genético com esta paciente. Só depois disto é que se pode considerar a hipótese de conversar a respeito do teste com os parentes em questão. Lamentavelmente, estes testes são ainda bastante sofisticados e caros, havendo grande dificuldade para sua execução em larga escala no Brasil.

Na impossibilidade de se fazer o teste genético, o oncologista pode usar alguns fatores relacionados ao paciente (a história familiar é o mais importante), ao tumor e ao grau de parentesco para prever que conduta teria a melhor chance de prevenir o possível aparecimento de um tumor em um parente determinado.

Esta decisão envolve a análise de dados complicados, não cabendo maior discussão neste momento.

O resumo da história é que a maioria dos tumores malignos não são hereditários; a discussão quanto a um possível fator hereditário não deve ser uma conversa leviana, e sim uma discussão por profissionais que estudam a fundo essa questão. Há profissionais dedicados ao aconselhamento genético, e todo paciente deveria ter acesso a uma discussão com este profissional, por menor que seja a probabilidade de tratar-se de um câncer de origem hereditária.

Encorajamos pacientes e parentes para que façam as perguntas ao seu médico.

Dr. Rafael Kaliks é Oncologista. Fellowship em Oncologia Clínica na Thomas Jefferson University, Filadélfia. Oncologista Clínico do Hospital Israelita Albert Einsten e na CLIOH.

FONTE: IDMED

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