quinta-feira, janeiro 20, 2011

Hanseníase: o que todas as pessoas devem saber sobre a doença


Por que a hanseníase ainda é um problema de saúde pública no Brasil?

Fatores históricos relacionados à entrada da doença no Brasil por imigrantes europeus e africanos, retardo na implantação de políticas de controle, ocupação desordenada do território brasileiro pela migração interna e manutenção de iniquidades sociais explicam a situação endêmica e até hiperendêmica atual. Felizmente vislumbra-se tendência de queda lenta da endemia no Brasil.

A hanseníase, transmitida por uma micobactéria, ou bacilo de Hansen, seu descobridor, antigamente chamada lepra, é hoje uma doença de diagnóstico simples, em unidades básicas de saúde, e tem cura. Quando o diagnóstico é precoce, na fase inicial da doença, o tratamento é mais rápido e a cura sem sequelas. Entretanto, todos os estados brasileiros diagnosticam casos dessa doença, que é mais frequente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Como se transmite a hanseníase?

De pessoa a pessoa, pela respiração. A maioria das pessoas infectadas não adoece, razão pela qual não temos uma epidemia. As pessoas que não oferecem resistência ao bacilo causador da doença, vivendo em área endêmica, adoecem, mas nem todas elas desenvolvem formas contagiosas da doença. O diagnóstico e o tratamento da hanseníase no início dos sintomas interrompem a cadeia de transmissão.

A vacina BCG oferece total proteção contra a hanseníase?

Total não. A vacina BCG protege contra as formas graves da hanseníase. Tem a mesma ação que na tuberculose.

De quanto em quanto tempo é necessário tomar novamente a vacina BCG? Tomar apenas uma vez protege contra a hanseníase pela vida inteira?

A aplicação da vacina BCG depende da história vacinal da pessoa. Seguem as recomendações abaixo:

Sem cicatriz da vacina no 1º mês de vida: fazer uma dose;

Com uma cicatriz de BCG anterior: fazer uma dose;

Com duas cicatrizes de BCG: não fazer nenhuma dose.

Na incerteza de cicatriz vacinal ao exame dos contatos intradomiciliares (considera-se como contato intradomiciliar toda e qualquer pessoa que resida, ou tenha residido com o doente, nos últimos cinco anos), recomenda-se uma dose, independentemente da idade.

A vacina BCG deverá ser aplicada nos contatos intradomiciliares sem presença de sinais e

sintomas de hanseníase no momento da avaliação clínica (dermatológica e neurológica).

Contatos intradomiciliares de hanseníase com menos de 1 ano de idade, já vacinados, não

necessitam da aplicação de outra dose de BCG.

A hanseníase pode ser passada de mãe para filho?

Sim. Mas não de forma vertical, na gestação. Apesar da possibilidade remota, não há evidências dessa transmissão. Mas o contato da mãe doente na amamentação e nos cuidados é uma fonte de transmissão frequente.

A hanseníase pode ser transmitida em relações sexuais?

Sim, mas a hanseníase não é considerada uma doença de transmissão sexual obrigatória. O contato íntimo permite troca de secreções e respiração próxima e, é claro, pode ser uma via de transmissão de doenças, além daquelas doenças ditas de transmissão sexual obrigatória. Mas é uma via de contato com raros estudos mostrando sua evidência.

Por que há pessoas que não desenvolvem os sintomas da hanseníase?

A maioria das pessoas reage e mata o bacilo, portanto não adoecem. Ele então vai se multiplicar naquelas pessoas que, por um defeito de sua resposta defensiva (imunidade celular), permitem que o bacilo se multiplique. Também influi a endemicidade do meio onde vivem. Quanto maior a circulação de bacilos, mais chances de adoecer.

Como as pessoas manifestam a doença?

De acordo com a capacidade de responder ao bacilo de Hansen e também de acordo com o momento em que se faz o diagnóstico, a pessoa poderá apresentar diferentes tipos da doença.

Assim, as manifestações clínicas podem ser discretas, apenas na pele, ou apenas nos nervos periféricos, ou em ambos e até acometer todo o organismo.

Quais as características clínicas de cada apresentação da doença?

A forma Indeterminada-I é a apresentação inicial da doença. Em geral uma mancha esbranquiçada ou área da pele com alteração da sensibilidade ao calor e à dor (meio dormente ou com sensações de formigamento), mas de início pode ser assintomática. Pode também ocorrer queda de pelos e secura da pele (não sua no local). Essa mancha pode permanecer durante anos e evoluir para as formas polarizadas (T, D ou V) ou até desaparecer. O diagnóstico nessa fase impede essa evolução.

A hanseníase Tuberculoide-T é caracterizada por uma lesão de pele em placa, tipo impingem, mas também pode afetar os nervos da face, dos braços e das pernas. Em geral são lesões mais dormentes, mas pouco numerosas.

As duas formas clínicas acima são consideradas paucibacilares, ou seja apresentam raríssimos bacilos, em geral não perceptíveis nos exames laboratoriais e não são consideradas contagiosas.

A hanseníase Virchowiana-V é a forma mais grave e disseminada da doença, ocorrendo em pessoas que permitem a multiplicação de muitos bacilos. Assim pode afetar pele, nervos, olhos, articulações, gânglios, causar rinite, etc. Nesse caso, a doença pode ser sistêmica e se apresentar com sintomas gerais, com reações graves do organismo: ínguas, inchaços, febre, dores nas juntas, caroços no corpo, acometimento dos testículos, etc.

A hanseníase Dimorfa ou Borderline é uma forma intermediária entre as formas polarizadas T e V. Em geral tem manifestações de ambas as formas. Dependendo do momento do diagnóstico, pode ser menos contagiosa, mais próxima do T. Mas, se o diagnóstico é tardio, pode causar muitas sequelas e as manifestações clínicas se assemelham à forma Virchowiana.

Estas duas formas clínicas são multibacilares e responsáveis por manter a cadeia de transmissão da doença.

Quais são os meios de diagnosticar a hanseníase?

O diagnóstico é feito pelo exame clínico, da pele e nervos. Poucos pacientes vão de fato exigir exames mais complexos. Estes servem para confirmar e ajudar na classificação.

Que exames uma pessoa deve pedir para que saiba se tem hanseníase?

O teste da sensibilidade ao calor (quente ou frio?), à dor (sente dor?) e ao tato (sente o toque na pele?) é o mais simples e pode diagnosticar a maioria dos casos. Nenhuma outra doença leva à dormência típica da hanseníase, na pele.

O exame dos nervos da face (olhos), braços (cotovelo, mãos, dedos) e pernas (joelho, tornozelo, dedos) é fundamental. Na doença estes podem doer, ficar engrossados e acarretar formigamentos e dormência nas áreas onde passam. No diagnóstico tardio se observam atrofias e perda da força muscular de mãos, pés, dedos.

Os exames de esfregaços de pele e biópsias de pele e de nervos confirmam a doença e ajudam no diagnóstico diferencial, especialmente nos casos mais avançados. Eletromiografia de nervos periféricos também pode ajudar a diferenciar de outras neuropatias.

Há algum método alternativo de tratamento da doença?

Não. O tratamento é de dois tipos: para Paucibacilares e outro mais longo para Multibacilares.

Os casos multibacilares podem apresentar complicações da doença e exigir tratamento com outros medicamentos, para as reações imunológicas. Estas podem continuar ocorrendo por um tempo após o fim do tratamento para a doença, porque são uma espécie de “alergia” do organismo a restos do bacilo. O tratamento é gratuito e deve ser acessível nos postos de saúde do SUS.

hanseniase

Há alguma prevenção para a hanseníase?

A prevenção é a informação generalizada dos sintomas para estimular a autodetecção na fase inicial; o exame clínico periódico das pessoas que conviveram com algum portador da doença antes do tratamento; e a vacina BCG.

Quais as principais recomendações para os portadores de hanseníase e seus familiares?

Considerar a doença como outra qualquer, que tem tratamento e cura. Se o diagnóstico da pessoa foi tardio e a mesma apresentar complicações (reações) e sequelas, deverá ser acompanhada por muitos anos e irá necessitar do apoio da família. É sempre bom lembrar que mesmo as pessoas que apresentam as formas contagiosas deixam de transmitir logo no início do tratamento. Por esse motivo não são recomendadas medidas de afastamento. O pior foi o contato antes do diagnóstico. Todos que tiveram convivência com o paciente nessa fase devem ser avaliados, vacinados e ficar atentos ao possível adoecimento, que pode ocorrer até muitos anos após.

Dra. Maria Leide W. de Oliveira é doutora em Medicina (Dermatologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996). Atualmente é professora adjunto/titulação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Medicina e administração pública, com ênfase em Dermatologia e Saúde Pública. Atua principalmente nas dermatoses de repercussão coletiva, especialmente na hanseníase (leprosy). Gerente Nacional do Programa de Controle da Hanseníase (cedida ao MS) por três períodos é pela 2ª vez membro do Comitê Assessor do Global Leprosy Program (WHO.)

FONTE ; IDMED

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