SIMPLES
Um consumidor tira dúvida sobre o sistema de pontos num supermercado em Connecticut, nos Estados Unidos. Acima, um exemplo de nota: 28A dona de casa Rute Gulinelli, de 70 anos, está fazendo compras no supermercado Futurama de Pinheiros, bairro de São Paulo, na manhã da sexta-feira. Magra e energética, ela está na seção de massas, em busca de um macarrão que tenha “consistência gostosa”. Diz que, de uns anos para cá, tem estado atenta à qualidade da comida e comprado alimentos que considera mais saudáveis. Procura, inclusive, influenciar para melhor a alimentação dos três netos. Rute lê os rótulos dos produtos nas prateleiras do supermercado? Sim. Ela está preocuda com os teores de sódio e gordura dos itens, mas, frequentemente, tem dúvidas sobre a composição dos temperos e de outros alimentos. “Eu, que observo, me engano e tenho dúvidas”, diz ela. “Imagina quem compra sem olhar.”
Para tornar a vida de consumidores como Rute mais fácil e permitir que outros que não têm paciência para ler rótulos se informem de alguma forma, com rapidez, pesquisadores da Universidade Yale criaram um sistema de pontuação chamado NuVal, que fornece uma nota única para cada alimento – desde frutas e hortaliças in natura até os produtos processados. Basta olhar o número que está ao lado do preço na prateleira e escolher os alimentos com maior nota, numa escala de 1 a 100. Quanto mais perto de 100, mais saudável. Quem não tem preocupações de saúde específicas – como pressão alta e colesterol elevado, que exigem dietas especiais – nem precisa ler o rótulo das embalagens. Bate o olho e escolhe.
As primeiras etiquetas com a logomarca NuVal começaram a aparecer nas lojas do centro-oeste dos Estados Unidos em janeiro de 2009 e, desde então, a ideia se espalhou rapidamente. A NuVal LLC, empresa criada para impulsionar a nova ideia no varejo, já tem como clientes mais de 1.000 supermercados em 23 Estados americanos – além de um grupo de escolas e uma seguradora de saúde que orienta pessoas com restrições alimentares por telefone. Noventa mil produtos já foram analisados e receberam nota. “Queremos transformar o NuVal no sistema universal de avaliação dos alimentos para escolhas saudáveis”, diz Annete Maggi, diretora da empresa.
Para tornar a vida do consumidor mais simples, os nutricionistas do NuVal fazem contas complicadas. Os nutrientes presentes em cada alimento são separados em duas categorias. Vitaminas, minerais, fibras, bioflavonoides, carotenoides e outras substâncias benéficas para a saúde entram na categoria de nutrientes numeradores, os nutrientes do bem. Eles aumentarão a nota do alimento sempre que estiverem presentes em quantidades satisfatórias. Gordura saturada, gordura trans, açúcar, sódio e colesterol entram na categoria de nutrientes denominadores, que levam as notas para baixo. A essas informações são adicionadas a qualidade das proteínas e das gorduras do alimento, sua densidade energética (ou quantas calorias estão contidas em cada 100 gramas) e a carga glicêmica (que tem a ver com o tipo de carboidrato e com sua influência sobre o peso corporal). Aditivos químicos e agrotóxicos não são levados em conta. Esses dados são colocados numa fórmula (um algoritmo) que é processada no computador. De acordo com essa equação, só merecem nota máxima as frutas e os vegetais com grande quantidade de vitaminas, minerais, fibras e água. Os brócolis e o mirtilo, conhecidos por suas propriedades protetoras contra o câncer, estão no topo do ranking, com nota 100. Entre os perdedores estão os refrigeran-tes (nota 1), as bolachas tipo cracker (nota 2) e o chocolate ao leite (nota 3). Eles têm muitas calorias, gorduras de má qualidade, excesso de açúcar e sódio e pouquíssimos nutrientes. No grupo com notas intermediárias estão os peixes e frutos do mar (entre 50 e 90), as carnes vermelhas (abaixo de 50), os laticínios, cuja nota varia conforme o teor de gordura e outras variáveis. O objetivo das notas é ajudar o consumidor a escolher o melhor produto em cada categoria. No caso dos biscoitos, por exemplo, a maior nota possível será 40. Por mais fibras e menos sódio que contenham, serão sempre muito industrializados e calóricos. Mas, entre um biscoito de nota 35 e um biscoito de nota 1, o de 35 é uma escolha melhor.
Na lógica do sistema NuVal, quanto mais processado é o alimento, menor tende a ser sua nota. “O NuVal permite perceber a diferença entre uma maçã, um suco de maçã e um molho de maçã”, diz Annete Maggi. A explicação é simples: a fruta inteira tem todas as fibras que ela pode ter, baixa densidade energética e vitaminas. Quando você processa, começa a retirar essas fibras, eliminar a água e concentrar os carboidratos. “Isso muda dramaticamente o perfil energético do alimento”, diz Annete. Os resultados, expostos na tabela abaixo, são muitas vezes surpreendentes. O macarrão, por exemplo, tem nota melhor do que vários outros alimentos que parecem mais saudáveis: carne fresca, leite com 2% de gordura, pão de linhaça e arroz branco, que nem sequer é industrializado. A tabela sugere um jeito novo de olhar para a alimentação. O que os nutricionistas acham disso?
Eles disseram a ÉPOCA que gostam da orientação simples e direta para os consumidores, como o sistema NuVal, sobretudo se for usada para estimular o consumo de mais alimentos naturais em detrimento dos processados. Mas enfatizam que, sozinha, ela não vai resolver as questões alimentares – e pode até empurrar as pessoas na direção errada. “Se elas pensarem somente no valor nutricional de cada alimento e se esquecerem de como vão compor a dieta inteira, correm o risco de fazer uma alimentação não saudável com alimentos saudáveis”, diz Fabio Gomes, do Instituto Nacional do Câncer, do Rio de Janeiro. Ou, o que é mais provável, podem misturar alimentos saudáveis com outros, de baixa qualidade, anulando o efeito positivo. Um exemplo é um macarrão multigrãos que tem nota NuVal 91. Sozinho, ele parece ótimo. Mas com que molho será comido? Se tiver queijos ou calabresa, a nota cairá, e com ela a qualidade da refeição.
“Sempre vejo com bons olhos as ideias para melhorar a informação ao consumidor”, diz Renata Monteiro, professora do departamento de nutrição da Universidade de Brasília. Há dez anos, ela participou de uma pesquisa feita em supermercados da cidade que mostrou que apenas 17% dos consumidores liam rótulos para comparar produtos. Poucos usavam essas informações para tomar decisões de compra. Neste ano, uma nova pesquisa vai verificar se esse quadro mudou. Renata prevê que a mudança não será grande. “De lá para cá, não houve medidas significativas para melhorar o entendimento do consumidor”, diz. “A preocupação com a saúde aumentou, mas não o entendimento.” Quem procurou orientar as escolhas dos consumidores nos últimos anos foi a própria indústria. Ela criou selos como o Minha Escolha, dados a produtos com redução de nutrientes que fazem mal quando em excesso, como o sódio e o açúcar.
A NuVal LLC, que detém os direitos da pontuação americana de alimentos, ainda não tem planos de levar o sistema para fora dos Estados Unidos. Os grandes supermercados brasileiros, procurados por ÉPOCA, desconhecem a novidade e não quiseram falar sobre o assunto. Ana Fanelli, nutricionista da Casa Santa Luzia, um dos varejistas de alimentos mais tradicionais de São Paulo, não gostou da ideia. “Quem vai pagar a conta para implantar essa tecnologia de avaliação por aqui?”, diz ela. “Seria melhor investir em educação, para que as pes-soas entendam as informações nutricionais do rótulo.”
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