Com certeza você já passou por aquela sensação de ter esquecido o que ia falar, ou pensar ter perdido os óculos, sem lembrar que eles estavam na sua cabeça. Esquecer números de telefone conhecidos e nomes de pessoas é muito comum, e é fácil ouvir os esquecidos dizer: “Minha memória não é tão boa...”. Tânia Novaretti, médica doutora em Neurologia pela Faculdade de Medicina da USP, explica que a memória, muitas vezes, não é a culpada, e sim, a chamada “atenção dividida”. Leia mais na entrevista concedida por ela ao Idmed.
É comum ver queixas de perda de memória entre idosos. Por que isso acontece após determinada idade?
Idosos normais não são um grupo homogêneo: idade, níveis de atividade e intelectuais são variáveis estatisticamente significativas para diferenciar a performance dos idosos normais. Muitos idosos (principalmente os que estão ativos) negam uma perda substancial da memória, coisa que alguns jovens já se queixam.
Isso acontece porque nossos órgãos envelhecem.
Inegavelmente, desde os quarenta anos já apresentamos mudanças no desempenho cerebral, nossos órgãos dos sentidos (visão, audição, olfato) já não têm a mesma capacidade de mandar informações, começamos a perder músculos e equilíbrio. Nossa atenção piora, principalmente quando fazemos várias coisas ao mesmo tempo (atenção dividida). Nos mais idosos perdem-se: emprego de vocabulário preciso, de forma ativa (nomeação, conversação), produção de frases completas e compreensão das mesmas, tarefas que envolvam organização, iniciativa, planejamento, eleição de relevância em narrativas espontâneas, produtividade (taxa de informações), precisão referencial e retenção de conteúdos em recordação imediata e tardia.
Os tempos de reação em atividades complexas, que requerem processamento mental, declinam rapidamente a partir dos sessenta anos, enquanto as tarefas sensoriais simples sofrem lentificação gradual, ao longo da vida.
O desempenho torna-se mais lento e impreciso com o passar da idade, principalmente quando existe a necessidade de decisão, escolha entre várias alternativas, mais ainda se as decisões implicam um julgamento sobre relações espaciais.
E as pessoas com menos de 60 anos, por que elas, às vezes, reclamam de lapsos de memória?
Normalmente quando se queixam de falta de memória, os mais jovens se referem a esquecer onde colocaram objetos, terem seguido o caminho habitual, quando queriam fazer outro diferente, ou terem vários compromissos e terem esquecido algum. Não se trata, nesses casos, de doença da memória, mas de atenção dividida. Quando dividimos nossa atenção, não conseguimos ter um bom desempenho na tarefa. Dirige-se pensando no que fazer quando chegar ao destino ou “ruminando” um problema pessoal, não prestando atenção ao caminho. Dessa forma, a memória de procedimentos (dirigir, por exemplo) levará a pessoa para o destino habitual.
Há um remédio que pode melhorar o desempenho da atenção e da memória?
Antes de pensarmos em medicações, necessitamos diagnosticar se, de fato, há um problema de atenção ou memória.
Se houver uma doença, por exemplo, Transtorno do Déficit de Atenção, existem medicamentos; se houver uma demência como a Doença de Alzheimer, existem medicamentos; porém, não existem medicamentos para que pessoas sadias melhorem seu desempenho.
Há muitas maneiras de melhorar a memória:
Novos aprendizados – qualquer novo aprendizado: um esporte, aprender uma nova língua, cozinhar, dançar. O cérebro que aprende rejuvenesce.
Exercícios de atenção: prestar atenção quando entra nos lugares, no que come, nos cheiros que encontra, nas músicas que escuta, no que vê. Relembrar seu dia, esforçando-se para lembrar os detalhes. Relembrar dias prazerosos: Onde eu estava no último ano novo? Com quem? Com que roupa?
Relaxamento: as pessoas tensas não prestam atenção.
Tentar associar fatos e imagens, visualizando-as.
Comer frutas e verduras, alimentos ricos em vitaminas do complexo B, vitais ao cérebro.
Tomar muita água. Um cérebro desidratado aprende menos.
Dormir bem. As memórias são consolidadas durante o sono.
Esquecemos o que íamos dizer porque estamos com nossa atenção dividida. Geralmente o assunto está chato e estamos apenas “jogando conversa fora”. A melhor maneira de evitar isso é estar por inteiro nos lugares: aproveitar ao máximo a experiência que estamos vivendo agora.
Às vezes esquecemos coisas simples que acabamos de fazer ou que sempre estão em nossa cabeça por qual motivo? Tanto pela atenção dividida quanto por excesso de compromissos. Estamos emocionalmente sempre um passo à frente do nosso corpo e nossas funções motoras não conseguem ser completadas adequadamente.
Quando subitamente “emburrecemos”, esquecendo, por exemplo, nosso próprio telefone, estamos muito ansiosos. Sempre que estamos muito ansiosos temos dificuldade em acessar informações da nossa memória.
Administrar o tempo de uma forma realista é a melhor maneira de diminuir a ansiedade e melhorar a atenção. Quanto “de verdade” demoro a ficar pronto? Quanto tempo leva, “de verdade”, para chegar ao meu compromisso? Quando coloco expectativas reais na minha vida, rendo mais e procrastino (vulgo embaço) menos.
São boas dicas: relembrar seu dia, ficar atento ao que realiza no momento, decorar (ao contrário do que aprendemos na escola, não é o oposto de entender) músicas, poesias, receitas culinárias, parar de dizer que tem memória ruim (isso deixa o cérebro sem responsabilidade de lembrar).
É verdade que dormir após o almoço pode melhorar o desempenho do cérebro no que diz respeito ao aprendizado e à memória?
Para algumas pessoas um pequeno cochilo (não mais que 20 minutos) pode melhorar a disposição e a atenção. Dormir bem à noite melhora a memória.
É verdade que o jogo Sudoku é um ótimo método para exercitar o cérebro?
É um dos bons métodos, pois o Sudoku necessita de atenção, estratégia, raciocínio e orientação espacial. Todos os jogos ajudam a treinar a memória, assim como a leitura e, principalmente, novos aprendizados.
Tânia Maria da Silva Novaretti é doutora em Neurologia pela Faculdade de Medicina da USP - SP. Atualmente é professora assistente de Neurologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Possui Título de Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia e AMB, Psiquiatria e Psiquiatria da Infância e Adolescência pela Associação Brasileira de Psiquiatria e AMB. CRM: 45852